Quando percebi que o meu corpo existia para me proporcionar prazer, além de simplesmente carregar a minha cabeça, tive um choque. Cresci ouvindo várias coisas sobre como as mocinhas deviam se comportar e, definitivamente, tocar as minhas partes íntimas não constava no manual de boas maneiras.
Como eu poderia dividir com alguém que eu gostava de me tocar? O que iriam pensar todas as pessoas, que diziam à minha mãe que eu era uma menina muito linda e educada, se soubessem que, em alguns períodos do mês, eu ficava alucinada, esperando a noite chegar, para então me tocar e sentir aquela sensação intensa seguida de uma leveza incrível.
Por muitos anos vivi este desejo oculto por mim mesma, um segredo íntimo e absoluto, o qual somente eu conhecia a viagem delirante que eu mesma me provocava e proporcionava. Passado o efeito delirante de prazer, vinha uma certa vergonha e o medo de ser descoberta; afinal, como ficaria minha reputação se descobrissem que eu sentia prazer sexual?
Acreditei que após realizar o segredo máximo, entregar meu corpo a um homem e finalmente perder minha virgindade, teria superado todos os preconceitos e estaria livre para expressar toda a minha libido. Mas não foi bem assim.
Descobri que a liberdade sexual já estava comprometida com o universo masculino e para as mulheres que tinham interesse em desfrutar dos prazeres sexuais, o melhor a fazer era se associarem a um homem. Isso mesmo, homem no singular, porque a regra diz que mulheres só tem prazer com um único homem. Hoje tenho meus objetos de prazer, moro sozinha e então não preciso esperar a noite cair para me divertir comigo mesma, mas será que já estou livre dos preconceitos da sociedade que ainda moram na minha cabeça? Para quem tem 20 anos, talvez eu esteja falando sobre algo muito absurdo, afinal, conhecer o próprio corpo faz parte do desenvolvimento natural de qualquer mulher. Mas, pense bem, você está livre para tornar público seus segredos íntimos?
Aniversário de uma amiga em comum: Meu amor está chegando, me cumprimenta de forma discreta. Mantemos-nos afastados. E, quando a bebida e o álcool já nos deixam passar despercebidos para o resto do grupo, nos olhamos e conversamos timidamente sobre os próximos passos do roteiro da noite. Vou para o carro, espero por ela durante 15 minutos em uma esquina escura, a porta do carro se fecha e, enfim, partimos para algum lugar onde poderemos ser a verdade que somos.
Churrasco do trabalho: Ele chega de mãos dadas com a esposa. Aperta minha mão com firmeza, um olhar sedutor e, o máximo de contato que teremos será um pequeno esbarrão com um pedido de desculpas ou a oferta gentil de uma cerveja quando estivermos sozinhos próximos ao cooler. Nunca fico com os fins de semana, tenho de esperar as reuniões durante a semana ou algum almoço de negócios mais distante, para que nossa identidade possa ser revelada sem culpa ou vergonha.
Festa da faculdade: Chegamos juntas. Somos amigas. Dançamos. Bebemos. Percebo o assédio sobre ela. Sinto ciúmes. Bebo alguma coisa. Lembro como ela está linda! Sinto mais ciúmes. Nã o posso fazer nada. Bebo mais um pouco. Nossos pés cansam com o salto. Vamos ao lounge. É a prévia do contato que espero pelo resto da noite. Nosso Uber chega e vai em direção à paz que encontraremos por, finalmente, nos sentirmos bem da forma que somos.
E são tantas pausas entre a felicidade e o vício à normatividade, que não dá para reconhecer onde se é inteiro: se na realidade individual, opaca aos olhos alheios, ou na ilusão da imagem de um holograma fielmente prostrado às convenções.
Sob a luz da inocência, sua nudez me apresenta
Mas a compulsão da febre se dará com outro
Vai me restar um abraço e uma ideia fixa: o calor dessa pele por baixo da roupa.
Sob sussurros, seus segredos me revela
Mas a devoção e o perfume serão de outro
Vai me restar o cheiro e uma obsessão: o suspiro que viola a inércia dessa pele.
Sob risos, sua alegria me entrega
Mas o regozijo não se dará aqui
Vai me restar a estima e uma demência: como rescindir essa tortura fraterna.